Liberdade, Fraternidade e Igualdade.

Uma revolução burguesa
O movimento popular urbano e camponês teve papel decisivo na Revolução. No terceiro Estado (o povo), que era composto por artesãos, camponeses e burguesia, estavam as principais forças populares que enfrentaram o Antigo Regime. Nas cidades, os trabalhadores artesãos tinham uma capacidade de crítica e de mobilização muito grande. As lideranças da burguesia se apoiaram nela para derrubar os privilégios da nobreza e para conquistar o poder político. O privilégio do dinheiro tomou o lugar do privilégio do nascimento. Como diz o historiador Leo Huberman, "Liberdade, igualdade, fraternidade foi uma frase popular gritada por todos os revolucionários, mas coube principalmente à burguesia desfrutar".

Numa população total de 28 milhões de habitantes no final do Antigo Regime, a massa de trabalhadores urbanos era das mais atingidas pela falta de alimentos, em especial o trigo. Em Paris, com cerca de 600 mil habitantes, havia mais de 160 mil mendigos. As más coheitas provocadas pelo inverno de 1788 colocaram em movimento essa população miserável, que deu seu apoio ao movimento quando começaram a rolar as cabeças.
Em outro inverno - 1792-1793 - a história se repetiu, com a crise econômica impulsionando o povo miúdo, os despossuídos, os deserdados. A burguesia girondina - armadores, banqueiros, negociantes internacionais - tornou-se então alvo da massa de sans-culottes (os populares que não vestiam as calças justas da nobreza - o culote).

Nesse longo percurso de apenas dez anos, uma lição de história foi aprendida, tornando clássico o caso da Revolução Francesa. A crise do Antigo Regime de Luís XVI e sua custosa corte; a reação feudal; a aliança entre burguesia e nobreza; a transformação dos Estados Gerais em Assembléia Nacional Constituinte; o assalto à fortaleza de Bastilha; a abolição da servidão; o confronto entre a república burguesa e a democracia popular; o choque do governo autoritário com a ditadura jacobina; a disputa entre igualitaristas radicais e representantes da revolução burguesa; e, finalmente o golpe militar de Napoleão Bonaparte em 1799, completam, etapa por etapa, um processo político que marcou o mundo contemporâneo. Nele há uma espécie de amostragem de posições que se tornariam históricas, repetindo-se aqui e ali, com novas roupagens ou disfarces, através dos tempos.
Houve várias revoluções dentro da Revolução, mas a melhor síntese disso talvez tenha sido a do próprio revolucionário Marat. Ao denunciar a traição ao povo pelos "conspiradores educados e sutis da classe superior", que a princípio se opuseram aos déspotas e depois se voltaram contra "os de baixo", ele escreveu: "O que as classes superiores ocultam constantemente é o fato de que a Revolução acabou beneficiando somente os donos de terra, os advogados e os aproveitadores".

Uma transformação radical

A Revolução Francesa derrubou a aristocracia que vivia dos privilégios feudais e liquidou a servidão, destruindo assim o esquema que sustentava o Estado absolutista encarnado na figura do monarca Luís XVI. As famintas massas populares urbanas, a pequena burguesia radical, os pequenos produtores e, sobretudo, os camponeses (servos) mobilizaram-se para colocar abaixo o chamado Antigo Regime.
Além disso, instalou-se, com a Revolução, uma Assembléia Nacional Constituinte, onde ficaram definidos os princípios da nova sociedade, e formou-se a Primeira República Francesa.

Nesse período destruiu-se a sociedade de ordens ou estados do Antigo Regime - nobreza, clero e povo -, criando-se condições para o desenvolvimento do capitalismo na França, já que estavam garantidos os princípios de liberdade de empreendimento e de lucro. Num contexto de violenta luta social surgiram no cenário histórico várias correntes de pensamento social e político.
Se a Revolução pode ser chamada de burguesa, não se deve deixar de lado o movimento camponês e popular urbano que lhe deu sustentação. Os camponeses, duramente atingidos pela crise econômica, foram levados à miséria, o que aumentou sensivelmente a insegurança nos campos. Sua ira diante dos senhores ampliava-se por toda a França, com levantes, tumultos e reivindicações contra os direitos feudais.
O movimento camponês abalou a aristocracia. Nessa luta, segundo o historiador francês Georges Lefebvre, "o meio mais certo consistia no incêndio dos castelos e dos seus arquivos ao mesmo tempo". "Não foram poucas as vezes", diz ainda o historiador, que "os senhores recusavam-se a se desfazer de seus pergaminhos, e os camponeses incendiavam os castelos e enforcavam os donos".
A fome e a carestia estavam na base desses movimentos, e também um pouco das idéias do grande filósofo do Século das Luzes, Jean-Jacques Rousseau, para quem "os frutos são de todos e a terra é de ninguém".
A eclosão da Revolução deveu-se, portanto, a uma série de fatores: miséria, fome, desemprego, carestia e aumento populacional - além das más colheitas de 1788-89, o que elevou brutalmente o preço dos gêneros de primeira necessidade, e do pão em especial, em julho de 1789.
A nobreza reagiu a essa crise provocando uma série de conflitos que desembocaram na convocação dos Estados Gerais, em 1788.
As más colheitas repercutiam nas cidades, provocando crises de subsistência e esvaziando as mesas dos artesãos e pequenos trabalhadores urbanos: os sans-culottes. Em resposta o povo se opôs à Coroa e proclamou a Assembléia Nacional, que, com o apoio do clero e de deputados reformistas da nobreza, passou a ser Assembléia Nacional Constituinte em 9 de julho de 1789. A Bastilha, prisão estatal, foi tomada pelo povo em 14 de julho de 1789. Em 4 de agosto a Constituinte, pressionada, aboliu os privilégios feudais, e em 26 de agosto proclamou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. A Revolução popular a seguir ganhou as ruas. O chamado "Grande Medo" espalhou-se pelos campos, opondo servos a senhores. Em 5 de outubro o rei Luís XVI foi obrigado a retornar de Versalhes para Paris, sob pressão popular.

Cronologia

1787-1788 - Revolta dos notáveis (nobreza).
1788-1789 - Más colheitas e aprofundamento da crise econômica.
1788 - Anuncia-se, em 8 de agosto, a convocação dos Estados Gerais para o 1° de maio de 1789.
1789 - De julho a outubro, a revolução popular. O "grande medo".
* Proclamação da Assembléia Nacional Constituinte (9 de julho).
* Tomada da Bastilha (14 de julho).
* Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (26 de agosto).
* Retorno de Luís XVI de Versalhes para Paris, sob pressão popular (5 de outubro).
1791 - A Constituilção liberal adota o regime de monarquia constitucional.
1791-1792 - Fracasso da monarquia constitucional. Tentativa de fuga e prisão de Luís XVI.
1792 - Guerra contra a Áustria e a Prússia (absolutistasO. Vitória do exército revolucionário em Valmy.
* Fundação da 1ª República Francesa (1792-1804).
1792-1795 - Período revolucionário da Convenção. Vitória do sufrágio universal. O "despotismo da liberdade". Ascensão e queda de Danton, Saint-Just, Robespierre e outros jacobinos.
1793 - Luís XVI é guilhotinado (21 de janeiro). Nova Constituição. Jacobinos dominam a Convenção.
1793-1794 - Terror. Aprofundamento da Revolução com Robespierre e jacobinos, de junho de 1793 a julho de 1794.
1794 - Robespierre, Saint-Just e companheiros são guilhotinados (28 de julho).
1795 - 1799 - Período do Diretório. Reação burguesa girondina.
1796 - "Conjuração dos Iguais", de Graco Babeuf, última tentativa socializante da República.
1798 - Vitória eleitoral dos jacobinos, não tolerada pelos girondinos (burguesia).
1799 - A Assembléia é dissolvida e o Diretório é substituído por três cônsules provisórios: Napoleão, Sieyès e Ducos. É o golpe de Estado do 18 Brumário, dando início ao Consulado de Bonaparte, que liquidaria a República em 1804.

As fases da Revolução

Assembléia Nacional Constituinte
(1789 a 1791)
Período de abolição do regime feudal e de montagem da ordem monárquica constitucional.

Monarquia constitucional
(1791 a 1792)
O regime dividiu-se entre os monarquistas, que queriam ver preservado o poder independente do rei, e a maioria dos representantes na Assembléia, que defendiam o papel dos cidadãos na fiscalização e controle do governo. A Constituição liberal de 1791, obra da Assembléia Nacional Constituinte, definiu a monarquia constitucional. Mas a guerra com a Prússia, a agitação popular que atemorizava os deputados da Assembléia e a fracassada tentativa de fuga de Luís XVI agravaram a situação, levando o regime a um colapso em setembro de 1792.

Convenção
(1792 a 1795)
Nesse momento foi implantada a República, num grave quadro de guerra externa. O movimento dividia-se entre os girondinos (liberais mais ligados às províncias, interessados na guerra) e os montanheses (apoiados pelas massas populares de Paris, os sans-culottes, democratas radicais e no início contra a guerra).
Luís XVI é guilhotinado em janeiro de 1793, começando o "despotismo da liberdade". Os montanheses ou jacobinos (como ficaram conhecidos os que se situavam à esquerda na Convenção) controlavam a situação politicamente. Por um ano, entre 1793 e 1794, a Revolução se aprofunda, liderada por Robespierre e pelos jacobinos, dirigindo-se contra a invasão estrangeira e os levantes de rebeldes contrários à Revolução. É o chamado "Grande Terror". Entretanto, perdendo apoio popular, os líderes Robespierre e Saint-Just e seus companheiros dão guilhotinados em julho de 1794.


Diretório
(1795 a 1799)
Nesse período a França torna-se um "país governado por proprietários". A Constituição do ano III da Revolução, que definia a democracia burguesa, representou o meio-termo do processo revolucionário. Contidas as forças estrangeiras (Prússia, Holanda e Espanha), o exército, que abafara uma reação dos partidários da antiga realiza, passou a ocupar o lugar dos jacobinos e dos sans-culottes, iniciando a construção da Grande Nation, criando "repúblicas irmãs" ao redor da França.
Em 1976 fracassou a Conjuração dos Iguais, de Graco Babeuf, última tentativa socialista durante a República. Em 1797, Napoleão Bonaparte vence os austríacos na Itália. Nesse período cresce o prestígio desse general.
Em 1798 a burguesia enfrenta ainda uma última vitória eleitoral dos jacobinos; no ano seguinte a Assembléia é dissolvida, e o Diretório é substituído por três "cônsules" provisórios: Napoleão, Sieyés e Ducos. É o golpe que dá início ao Consulado, sob o lema: "a Revolução acabou".

Bibliografia  
Mota, Carlos Guilherme. Revolução Francesa (1995). 6ª ed, Editora Ática.

Ilustrações
Jayme Leão
 

 

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